Em tempos em que o Estado, nas esferas municipal, estadual e federal, quer reduzir o seu espólio, soa contraditória a obsessão pela pintura padronizada nos ônibus, que representa o vínculo de imagem da prefeitura ou do governo estadual, o que significa mais responsabilidade para o poder público.
Embora os tecnocratas, com seu habitual "juridiquês", tentem dizer que isso não tem a ver, que o sistema de ônibus continua operando com empresas particulares e que elas formaram consórcios, é bom deixar claro que só esses consórcios expressam o poder estatal, que, com um vínculo de imagem faz o poder público ser mais responsável que as empresas particulares, que continuam operando, mas perderam o direito de exibir suas identidades visuais.
A pintura padronizada é um resíduo de uma mentalidade antiquada e obsoleta, originária da ditadura militar, seguindo, portanto, uma lógica militaresca de impor um "único uniforme" para as empresas de ônibus. É uma medida sem funcionalidade e que perde o sentido, mesmo quando se troca a pintura, como se troca a máscara, trocando seis por meia-dúzia.
São Luiz, Fortaleza, Brasília e Porto Alegre tentaram apenas trocar a pintura e algumas regras, mas como não romperam com o principal, que é a proibição de empresas exibirem sua identidade visual - são inúteis facilitações como colocar o nome da empresa com mais destaque, porque, vistos de longe, parecem rabiscos ilegíveis - , não representaram diferencial algum na mesmice do sistema de ônibus "padronizado".
Não há razão para manter a pintura padronizada. O prazo de 20 anos para tais licitações pode ser rompido, já que se rompe com tantas leis no Brasil e o rompimento da pintura padronizada é dos menos danosos. A medida pode ser cancelada a qualquer momento, bastando apenas vontade política e coragem das autoridades.
Mesmo quando as empresas particulares fiquem com as responsabilidades econômicas, a pintura padronizada simboliza o poder concentrado do Estado. Só que esse poder aumenta também a responsabilidade e não é preciso muito esforço para entender por que os ônibus "padronizados" se sucateiam com mais facilidade e o sistema se torna precário. É porque as empresas particulares deixaram de ser responsáveis, já que não podem mostrar sua identidade visual para os passageiros.
Com a pintura padronizada, o poder político assume responsabilidades, porque, quando há o logotipo da cidade ou do governo estadual, significa que o vínculo de imagem indica quem tem compromissos e encargos. Não é uma questão de botar tinta, amarrar diferentes empresas de ônibus com um mesmo visual e tudo ficar como está. A pintura padronizada comunica quem é que é responsável pelo sistema.
Só que isso não é bom, porque a Secretaria de Transportes, em vez de ser um órgão apenas fiscalizador, vira "administrador", como se o secretário fosse um dublê de empresário de ônibus. Isso lhe sobrecarrega na função, porque até a renovação de frota passa por sua decisão, de maneira muito mais burocratizada e demorada, prejudicando os passageiros.
Além disso, quando uma empresa de ônibus atua em diversas áreas, fica complicado transferir seus carros não só por causa da mudança de pintura, mas pela burocracia que demora e torna mais onerosa a transferência, principalmente em casos como Belo Horizonte, quando uma mesma empresa pode ter mais de cinco pinturas diferentes, por atuar em zonas e cidades diferentes.
A pintura padronizada nos ônibus é um modismo como o dos micro-ônibus. Durante anos os micro-ônibus e os micrões (midi-ônibus, micros mais "crescidos") também eram usados com frequência, sendo investidos até em linhas longas. A linha 261 Marechal Hermes / Praça 15 (hoje 265 Marechal Hermes / Castelo, que carece de definir qual empresa deveria mesmo operá-la) foi um exemplo.
Espera-se que o secretário de Transportes Fernando McDowell se lembre da oposição firme que ele teve contra a pintura padronizada nos ônibus, quando ele falou que "rezava muito" para Eduardo Paes não adotar a medida. Se ele adotar, pode ser um precedente para o fim da era de "ônibus fardados" que representa uma lógica tecnocrática, autoritária e não-funcional do transporte coletivo.
Quem deve aparecer é o estado, e não a empresa. Ela está prestando um serviço, e não é a autora do serviço. Portanto, não se deve ter pintura despadronizada afim de promover marketing da empresa, em cima de um serviço público. Seria como colocar a logo da OI, VIVO, e afins no prédio do Ministério das Comunicações.
ResponderExcluirAcho que você tá misturando as coisas. O fato das empresas de ônibus terem pinturas diferenciadas não tira a responsabilidade das secretarias de transporte. Nada que um destacamento do número de telefone da secretaria dentro dos ônibus não resolva.
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