O sistema de ônibus do Rio de Janeiro virou um grande pepino. A inicial disposição do então secretário de Transportes, Fernando MacDowell, de eliminar males como a pintura padronizada, as linhas esquartejadas e as linhas "troncais" - que estão mais para "truncadas" - esbarrou numa série de dificuldades.
Houve denúncias de esquemas de corrupção envolvendo empresários de ônibus atuantes na cidade. Houve a questão dos preços das passagens, que viviam num sobe-e-desce interminável, e recentemente a Justiça barrou o aumento da tarifa de R$ 3,60 para R$ 3,95, que iria valer a partir de ontem. Mas o próprio MacDowell, que deixou a pasta dos Transportes para ficar só como vice-prefeito, sofreu um infarto e, após dias de internação, faleceu.
O modelo empurrado à força em 2010 por um Eduardo Paes ao mesmo tempo autoritário, populista e demagógico, que envolveu ônibus padronizados, dupla função do motorista-cobrador, esquartejamento de trajetos de linhas e outros modismos trazidos pela "moderna" Curitiba (cidade que se revela, na verdade, cada vez mais conservadora e reacionária), poderia ter chegado ao fim há, pelo menos, um ano.
Diante da mania, contraída nos últimos 25 anos, dos cariocas se conformarem com tudo e ficarem dependentes de suas próprias zonas de conforto - daí as explosões de intolerância e ódio das redes sociais, nas quais a busologia local não foi exceção à regra - , o decadente modelo de 2010 mostra sinais de esgotamento, mas infelizmente não há um prazo para seu fim.
Isso se deve porque o modelo de 2010 é bom e os problemas são só iniciais? Não. O modelo se mostra fracassado, ineficiente, confuso. Só no caso da pintura padronizada, não há um único indício de que a medida, que põe diferentes empresas de ônibus sob um mesmo visual, traga vantagens e funcionalidade para a população e para o sistema como um todo.
Pelo contrário, os ônibus "iguaizinhos" só revelam problemas e eles, em si, já se tornaram "pepinos" sobre rodas. Confundem os passageiros, que não sabem mais a quem recorrer quando uma empresa presta mau serviço, porque a empresa A transfere a culpa para a empresa B do consórcio X que culpa o consórcio Y e por aí vai. E tem empresa se extinguindo e mudando o nome e o passageiro é sempre o último a saber.
Outro fator complicador é que o modismo dos ônibus padronizados, que mostra sinais de esgotamento até em Curitiba e São Paulo, tenta permanecer em pé, mudando pequenas regras na licitação das linhas de ônibus, trocando zonas e bairros e tipos de ônibus aqui e ali e mudando o design da padronização visual, como trocando o "seis pela meia-dúzia", sempre "mudando" para continuar sendo a mesma coisa, o mesmo desastre de antes.
Diante disso, o Rio de Janeiro acaba sendo dependente deste modismo, e a falta de visão do atual secretário municipal de Transportes, Rubens Teixeira, que não parece inclinado a eliminar a pintura padronizada, também deixa tudo como está.
A situação do transporte coletivo é tão caótica que até a busologia do Rio de Janeiro se "queimou" completamente. A arrogância de uma meia-dúzia de busólogos em forçar o apoio à pintura padronizada nos ônibus, o que fez com que eles agissem com muita truculência contra quem discordasse da medida, também só fez a má fama da busologia no resto do país, com a imagem pejorativa dos "burrólogos", "bozólogos" ou "brutólogos".
O sistema de ônibus do Rio de Janeiro virou um pesadelo sobre rodas, temperando a decadência que vive todo o Estado, que havia sido influente na implantação do golpe político de 2016. Sabe-se que, movidos pela catarse de chiliques moralistas, os cariocas elegeram, para o Legislativo, nomes como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro, que ajudaram a instalar o caos em todo o país.
A má reputação do Rio de Janeiro ainda envolve problemas como o Estado sendo o maior reduto de valentonismo digital (cyberbullying) do Brasil e a sua impotência em zelar pelo patrimônio cultural local.
Há muito o Rio perdeu sua relevância cultural e mesmo o "funk", tido como sua mais nova manifestação cultural - na verdade, o ritmo surgiu na Flórida, nos EUA - , revela falhas no âmbito artístico, cultural e ideológico, neste caso associado a valores morais retrógrados, como o machismo.
Para piorar, é no Rio de Janeiro que existem maiores clamores por uma intervenção militar (não só o desastroso projeto policial do Exército nas favelas, mas o eufemismo para a volta da ditadura militar), ou a volta da ditadura camuflada de "voto popular" através da eleição de Jair Bolsonaro. Isso põe por terra abaixo a reputação de modernidade do Rio de Janeiro, que desde os anos 90 parece ter parado ou regredido no tempo.
Não fosse a decadência do Rio de Janeiro e a acomodação dos cariocas que, em parte, só protestam contra quem se arrisca a protestar e não toleram a diferença, a pintura padronizada nos ônibus cariocas teria sido cancelada há mais de cinco anos.
Mas nem mesmo o Movimento Passe Livre pediu o fim da pintura padronizada, iludido com o caráter moralista da medida - se esquecem que a diversidade visual, com cada empresa mostrando sua própria pintura, traz mais transparência e impõe responsabilidades ao sistema de ônibus e permitem ao passageiro reconhecer a empresa que presta mau serviço - e perdendo uma boa oportunidade de obter protagonismo combatendo o esconde-esconde das empresas de ônibus.
Na atual fase intolerante dos cariocas, que sempre reagem com estranheza à existência da diversidade, faz sentido a conformação com os ônibus "iguaizinhos" da pintura padronizada, bem mais adequados ao clima de mesmice, convencionalismo social e conservadorismo ideológico a que sucumbe e naufraga a maioria conformista e reacionária dos cariocas. Se o sistema de ônibus está desgovernado, isso é um efeito do caos e do conservadorismo que arruinam o Rio de Janeiro.
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