Depois que o mandato da presidenta Dilma Rousseff foi ceifado pela metade mediante acusações vagas e muito mal explicadas, espera-se tudo nas leis. Para o bem e para o mal. Afinal, até a chamada plutocracia, fã de ônibus padronizados, como o PMDB carioca que serve de uma das bases de apoio do governo do presidente Michel Temer, encarou um osso duro de roer.
É verdade que, de uma forma ou de outra, é possível cancelar a pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro pelo caráter impopular e arbitrário da medida. A ideia de colocar diferentes empresas de ônibus sob a mesma pintura, a pretexto de delimitar consórcios, tipos de ônibus ou zonas de bairros, mostrou-se maléfica para a população, trazendo infinitas e graves desvantagens.
Isso já justifica o cancelamento da medida. Falta vontade política, mas, com um pouco de coragem e respeito aos cidadãos, o secretário municipal de Transportes pode determinar que as empresas de ônibus voltassem a ter suas respectivas identidades visuais, com Real Auto Ônibus tendo pintura de Real Auto Ônibus, Redentor com pintura da Redentor, Matias com pintura da Matias etc.
Em tese, a pintura padronizada estará em vigor nas frotas municipais do Rio de Janeiro até 2030, com potenciais chances de prorrogação, talvez apenas com a mudança da pintura a ser adotada. Mas isso pode ser cancelado até mesmo no ano que vem, porque a medida não traz benefícios à população e, comprovadamente, favoreceu a corrupção e o declínio do sistema de ônibus.
Como o visual padronizado simboliza o vínculo com a Prefeitura do Rio de Janeiro, as empresas de ônibus passaram a se considerar menos responsáveis. O visual é da Prefeitura, a pintura é da Secretaria de Transportes, não há a identificação visual de cada empresa de ônibus que, antes de representar algum tipo de vantagem estética, impunha responsabilidades nas relações de serviço entre empresas e passageiros de ônibus, os fregueses do processo.
Aberrações como mudanças sucessivas de nome de empresa - Saens Peña virou N. Sra. das Graças e City Rio virou Vigário Geral, depois City Rio e depois VG - e interferência de empresas de ônibus em linhas de outras - como Real na linha 455 Méier / Copacabana (com o agravante de ser uma "Intersul" em linha da "Internorte") e Caprichosa na linha 309 Central / Alvorada - eram feitas sem que os passageiros percebessem, estes já cheios de compromissos pessoais pesados.
Isso prova que a pintura padronizada não traz transparência para o sistema de ônibus e permite que a corrupção ocorra, mesmo usando como pretexto a "mobilidade urbana", diante de argumentos hipócritas como "não importa a empresa, importa o serviço" dada por certos busólogos dotados de arrogância e desprezo ao cidadão.
Imagine se usássemos o mesmo argumento para o futebol, socialmente mais inócuo do que usar ônibus para se deslocar para algum lugar. O que as pessoas achariam se alguém defendesse que Vasco e Flamengo deveriam ter o mesmo uniforme, sob a desculpa de que "não importa o time, o que importa é o jogo"? E olha que padronizar times de futebol, com uniforme único para todos os times de cada Estado iria afetar menos a população do que no caso dos ônibus.
Imagine a dificuldade que teríamos se, com a pintura padronizada nas linhas do DETRO, combatêssemos a Transmil que teria as mesmas cores de uma Caravele, N. Sra. da Penha ou Flores. e a facilidade com que as autoridades maquiassem a situação, criando um pseudônimo para a Transmil (digamos um nome fictício: "Viação Baixadense") e dizendo que "resolveram a situação", com uma falsa renovação de frota com carros velhos idênticos aos de modelos ainda em fabricação.
Isso sem falar do ônus que é cada empresa de ônibus transferir carros semi-novos de uma frota intermunicipal para municipal, ou de uma zona de bairros para outra. Na Grande Belo Horizonte, não bastassem empresas de ônibus diferentes terem a mesma pintura, uma mesma empresa de ônibus, por operar em diferentes áreas e com diferentes tipos de ônibus, pode ter até cinco pinturas diferentes, o que traz mais burocracia e mais custo de transferência de carros.
É certo que, diante da hipótese do fim da pintura padronizada, secretários de Transportes reajam com suas prolixas e rebuscadas explicações "técnicas", dizendo que a pintura padronizada obedece "critérios objetivos" aqui e ali, que "a identificação da empresa está representada no número da frota" e blablablá, blablablá e blablablá.
Mas desde que, no Governo Federal, se usa "argumentos técnicos" até para defender a PEC 241, um projeto que irá levar o Brasil à falência, com menos gastos públicos que gerariam empregos e melhoriam os serviços públicos de Saúde e Educação, num país com população crescendo e expectativa de vida melhorando, há que se desconfiar das alegações desse nível. Paciência, portadores de diploma de pós-graduação não são deuses!
Temos que nos preparar para o fim desse ciclo de ônibus fardados, dessa mesmice sobre rodas de diferentes empresas ostentando a mesma pintura e exibindo logotipos de prefeituras ou governos estaduais. Um ciclo que remete à ditadura militar e uma lógica em que a Secretaria de Transportes não é um órgão regulador do sistema de ônibus, mas um instrumento de poder autoritário com seu secretário dotado de plenos poderes.
A ideia a ser pensada não é trocar uma pintura por outra e manter a padronização. É devolver a cada empresa de ônibus o direito e o dever de exibir sua própria identidade, que não traz só beleza estética, mas reativa as relações de consumo entre empresas e passageiros, recuperando as responsabilidades operacionais que a pintura padronizada simplesmente dificulta, assim como o sistema como um todo que adota essa medida de impor um mesmo visual para diferentes empresas de ônibus.
Daí que a ideia não é só reavaliar licitações de ônibus substituindo consórcios por lotes. Se a pintura padronizada for mantida, isso será um tiro no pé. As autoridades precisam se preparar para deixar de usar os ônibus como mershandising político, se limitando a fiscalizar o sistema de ônibus sem fazer o secretário de Transportes virar dublê de empresário de ônibus.
Essa mudança de posição, se preparando para o fim da pintura padronizada nos sistemas de ônibus - Feira de Santana, na Bahia, foi pioneira nesta medida - , precisa ser admitida por autoridades, por jornalistas e, sobretudo, pela sociedade. No corre-corre cotidiano, não há como justificar a pintura padronizada se ela só traz confusão e outros graves transtornos para a sociedade.
Como eu mencionei em outro artigo, não se pode cancelar a pintura dos ônibus do Rio, é uma exigência descrita no edital de licitação como todas as outras exigências e tirá-la pode acarretar num precedente, dando margem pra cancelar várias outras exigências como o ar-condicionado, por exemplo. Agora, comparar pintura de ônibus com camiseta de futebol? Que comparação chula e descabida, são coisas totalmente diferentes. Muda o argumento que está feio e dá tempo. Outro detalhe, a população não liga pra empresa mesmo, se ela está capenga e vem uma substituta que oferece melhor qualidade, a população aprova e esquece da antiga na hora, podendo ser até uma empresa vinda da China operar, como um exemplo. A empresa tem até cinco pinturas diferentes para serviços diferentes? Desista de algum serviço ou saia da concessão, pois os serviços estavam descritos nos editais de licitação e as empresas aceitaram. O problema não está na pintura, está nas empresas, que são gananciosas e/ou corruptas. E pra finalizar, sobre os piso-baixo, enquanto há empresas retirando, há empresas comprando tais modelos, como a Transurb.
ResponderExcluirOlá Diego, criei um abaixo-assinado contra a padronização da cidade do Rio de Janeiro, explicando as várias crises que a mesma engloba, quando puder dá uma olhada https://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/36957
ResponderExcluirObrigado pelo convite, mas discordo de tudo ali e não é ilegal a pintura padronizada nos ônibus.
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