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"PAI" DOS ÔNIBUS PADRONIZADOS, JAIME LERNER MORRE AOS 83 ANOS


Morreu na manhã de hoje, de problemas renais, o arquiteto e ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, com 83 anos de idade (84 anos incompletos). Conhecido por implantar um modelo até certo ponto arrojado de transporte coletivo, Lerner era uma espécie de Roberto Campos do urbanismo, no qual um saber técnico e aparentemente arrojado também incluía conceitos conservadores e anti-populares.

Assim como Roberto Campos, quando foi ministro do Planejamento do governo Castelo Branco, em 1964, implantou medidas de controle da inflação e de estímulo ao comércio e á industrialização, mas adotando, em contrapartida, medidas de desvalorização dos salários dos trabalhadores, Lerner também incluiu, mesmo nas virtudes de seu projeto de urbanismo e transportes, medidas que complicaram a vida dos passageiros de ônibus.

Ao lado de virtudes como a criação de ônibus articulados possantes (sejam articulados comuns ou BRTs - sigla para Bus Rapid Transit) corredores exclusivos para ônibus, criação de terminais de ônibus mais funcionais e adoção do Bilhete Único para a integração entre mais de um transporte, além de outras medidas de planejamento urbano da cidade de Curitiba, Lerner impôs medidas negativas como a pintura padronizada nos ônibus, a redução das frotas em circulação e a dupla função dos motoristas-cobradores.

No caso da pintura padronizada, a mudança de critério de pinturas visando a divisão por consórcios ou por áreas ou tipos de ônibus fez com as empresas de ônibus operadoras se "esconderem" dos olhos do público, pouco importando os códigos alfanuméricos que, em tese, identificavam cada empresa. Uma empresa de ônibus ruim poderia ter a mesma pintura de uma empresa de ônibus boa e os passageiros tinham mais dificuldade de identificar qual a empresa que presta mau serviço.

A pintura padronizada favoreceu a corrupção das empresas de ônibus e a concentração de poder dos secretários de Transportes, que viraram dublês de empresários de ônibus, significou mais autoritarismo e menos fiscalização dos abusos das empresas de ônibus. 

E quem imaginava que o poder empresarial era neutralizado pelo poder público, que supostamente detinha o controle das empresas de ônibus com a padronização visual que vinculava o sistema à prefeitura ou governo estadual, se enganou completamente. Como se viu no Rio de Janeiro, os empresários acabavam exercendo seu poder promiscuamente junto ao Estado que "monitorava" os ônibus padronizados.

Outros aspectos, como a redução das frotas em circulação e a dupla função do motorista-cobrador irritavam profundamente o povo. No primeiro caso, as célebres queixas dos passageiros das demoras dos ônibus viraram uma rotina nas páginas dos jornais e nas matérias de rádio e TV. No segundo caso, a medida sobrecarregava o trabalho dos motoristas, aumentando o risco de acidentes de trânsito.

A lógica militar do sistema de ônibus, no qual, em cidades marcadas por engarrafamentos insolúveis, impunha um cumprimento de horário rígido aos motoristas, o que complicava ainda mais no caso da dupla função, pois não raro os motoristas, de tão pressionados, sofriam mal súbito em pleno volante, causando acidentes que geraram até mortes.

Não nos esqueçamos do vínculo de Jaime Lerner com a ditadura militar, tendo se filiado à ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e tendo sido prefeito biônico de Curitiba, ou seja, prefeito nomeado pelo governo militar. E a pintura padronizada nos ônibus de Curitiba se inspirou claramente nos ônibus militares, em sua forma monocromática, apenas variando com cores quase sempre mais alegres.

A retórica de "disciplina", tanto no que diz à repressão da identidade visual de cada empresa de ônibus - todas elas tinham que adotar a imagem determinada por prefeituras ou governos estaduais - , quanto no que se refere à rotina opressiva aos motoristas de ônibus, forçados a aumentar a velocidade para evitar atrasos nos horários, já que, em várias ruas, os congestionamentos são enormes, mostra esse aspecto negativo, o lado oculto de Lerner, que nos últimos anos tentava vender a imagem de "progressista", até encerrar a carreira como membro de uma base de apoio do governo Michel Temer.

Atualmente, devemos repensar o sistema de ônibus, porque boa parte do projeto de Lerner caducou. Hoje não faz mais sentido impor pintura padronizada nos ônibus, e o desgaste desta medida se acelera, mesmo quando há tentativas de "renovar" o design e mudar critérios. Em muitos casos, isso significa maior despesa e maior burocracia, que pressionam no aumento de custos do transporte, como mudar a pintura de um ônibus de uma empresa que deixa de operar em uma área para atuar em outra.

Outras medidas, como esperar autorização da prefeitura ou do governo estadual para renovação de frotas - que geralmente é feita tudo de uma vez, visando a propaganda política das secretarias de Transportes - faz com que as frotas acabem envelhecendo e os ônibus, com frota reduzida, circulassem superlotados, se desgastando com o peso e com a falta de manutenção, porque praticamente é toda a frota que circula para atender uma enorme demanda de passageiros.

Além disso, o uso do Bilhete Único não deve ser supervalorizado, como se fosse um ingresso de parque de diversões. É irritante para o trabalhador viajar em mais de um ônibus lotado, se deslocando de bairros em bairros, por causa dos trajetos curtos das linhas. Viajar sentado no primeiro ônibus e, depois, ter que viajar em pé no segundo e/ou no terceiro, é um desgaste que compromete o desempenho no trabalho, porque o passageiro já chega ao local do emprego cansado.

São problemas assim que fazem com que o modelo de Jaime Lerner se torne, no conjunto da obra, caduco, embora os pontos positivos devam ser mantidos ou melhorados. No seu todo, porém, não há como considerar sua validade, porque aspectos como a pintura padronizada, a redução de frotas e trajetos e a dupla função do motorista-cobrador e a valorização exagerada do Bilhete Único trazem muitas desvantagens e problemas que irritam a população no seu processo diário de ir e vir.
 

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