O impopular prefeito de São Paulo, João Dória Jr., resolveu fazer uma maquiagem no sistema de ônibus da capital paulista. O que estava ruim ficou pior, dentro daquele amargo coquetel que é vendido como se fosse uma "verdade absoluta" para o sistema de ônibus, com clichês de racionalidade e com extremo tecnicismo que só prejudicam ainda mais a população.
Dória, ao lado de Eduardo Paes, mostraram o desgaste desse modelo de sistema de ônibus, originário da ditadura militar: pintura padronizada nos ônibus, dupla função motorista-cobrador, linhas com itinerário encurtado, supervalorização do Bilhete Único (como se ele fosse como um cartão para parque de diversões), menos ônibus em circulação nas ruas.
Há muita mentira e muita demagogia nesse modelo, lançado pelo prefeito "biônico" (nomeado pela ditadura militar) Jaime Lerner, em 1974 e que em São Paulo foi implantado pelo então prefeito Paulo Egydio Martins (hoje aposentado, filiado ao PSDB e no passado o único direitista que presidiu a UNE, na década de 1950) em parceria com Olavo Setúbal, do banco Itaú.
No entanto, esse modelo apresenta um profundo desgaste e não traz vantagem alguma para a população. Que vantagem, por exemplo, tem haver diferentes empresas de ônibus exibindo um mesmo padrão visual? A medida confunde os passageiros e favorece ainda mais a corrupção empresarial que, se já ocorre às abertas com a diversidade visual, ela se intensifica quando a pintura padronizada se torna uma "lona" que acoberta esse triste "espetáculo".
Para abafar esse desgaste, muito se tem feito de 2009 para cá. O design das pinturas padronizadas agora é trocado como uma pessoa que troca de roupa, e as regras da concessão de linhas de ônibus são apenas trocadas como quem mistura as cartas no início de uma partida de baralho.
É o caso do sistema de ônibus de São Paulo. Vai ser aquela manobra de "mudar para permanecer o mesmo". Ou então pior. Do mesmo, haverá a pintura padronizada, que apenas sofrerá pequenas alterações, não se sabe se é de design. É porque haverá nova licitação, mas mesmo assim as empresas ficarão proibidas de exibir a sua respectiva identidade visual, pois a identidade continuará sendo monopólio da Prefeitura de São Paulo.
Dória quer alterar o sistema de ônibus, afetando 335 linhas. Serão extintas 149 e haverá menos ônibus em circulação. Em várias delas, será forçada a baldeação dos passageiros, que perderão o conforto do antigo trajeto e podem viajar em pé no segundo ônibus. Dória já determinou, junto ao governador Geraldo Alckmin, que várias linhas intermunicipais deixem de circular na capital para encerrarem trajeto em Osasco, substituídas por linhas que partem de uma estação no município.
Esse padrão de sistema de ônibus já não trazia respostas para os problemas no setor há muito tempo. Quando a medida, já decadente, foi relançada como falsa novidade no Rio de Janeiro, empurrando a expansão desse modelo para cidades como Niterói, Florianópolis, Recife e Teresina entre muitas outras. E fez os sistemas de ônibus de São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília, Belém, Curitiba e Porto Alegre, entre outras capitais, "respirarem com a ajuda de aparelhos".
MOSTRAR PINTURA PRÓPRIA NÃO É SÓ EMBELEZAMENTO, É COMPROMISSO DE RESPONSABILIDADE
Os defensores da pintura padronizada nos ônibus - que demonstraram ser pessoas arrogantes e reacionárias que, sem a vivência de utilizar esse transporte, ainda acham que podem julgar em nome dos passageiros de ônibus - alegam que a pintura individualizada da empresa de ônibus foi adotada por mera questão estética, como se isso fosse como as penas de um pavão.
Não é assim. Apesar de muitas das pinturas próprias das empresas de ônibus expressarem beleza visual, elas foram feitas para transmitir funcionalidade e mesmo essa beleza era uma forma de chamar atenção do público e reforçar o compromisso de responsabilidade da respectiva empresa, que, se não cumpre adequadamente o serviço, pode ainda ser facilmente identificada como empresa ruim.
O caso da Turismo Trans1000 é ilustrativo. A conhecida Transmil estava sofrendo uma decadência vertiginosa, chegando a comprar carros de terceira mão e seus ônibus estavam velhos e sucateados. Foi uma trabalheira para a sociedade derrubar a Transmil, porque, apesar de ruim, a empresa era blindada e, estranhamente, até uma parcela de busólogos chegou a defender a mesma, ainda que com carros sucateados rodando com pneus carecas e ar condicionado sujo e enferrujado.
Isso foi possível porque deu para identificar o visual da empresa. Mas digamos que a Transmil, sediada em Nilópolis, tivesse, numa hipotética pintura padronizada, as mesmas cores que a Viação Nossa Senhora da Penha, do mesmo município mas de atuação exemplar, com renovação constante de frota.
A dificuldade seria extrema. A pintura similar "esconderia" a Transmil por trás da N. S. Penha e poderia haver uma armação na qual a Transmil mudaria de nome e "retornaria" como "nova empresa". É a chamada troca de "nome de fantasia", nome usado para a execução de um serviço mas cuja natureza jurídica guarda um outro nome, registrado em cartório.
No caso do "nome de fantasia" quando uma empresa tenta trocar o nome, criando uma "nova empresa", na verdade o que se troca é o "nome de fantasia", mas a personalidade jurídica continua a mesma. Daí as reclamações dos passageiros com muitas empresas que são "extintas" e retornam à circulação com "outros nomes".
O que poucos conseguem entender é que a diversidade visual das empresas de ônibus, ou seja, cada empresa tendo sua própria pintura, pode não combater a corrupção. Isso é fato. Mas facilita aos passageiros comuns identificarem a empresa que presta mau serviço, tarefa, que no caso da pintura padronizada, ocorre "de cima para baixo", geralmente quando o jurista informa a empresa decadente para um jornalista que transmite o dado à população.
Diante do recente exemplo de João Dória Jr., que faz São Paulo entrar na onda do "café requentado" dos ônibus padronizados, junto a Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza e São Luís, o modelo tecnocrático iniciado por Jaime Lerner (uma das figuras que hoje apoiam o decadente governo de Michel Temer), revela-se decadente e só continua em vigor porque existe, nos âmbitos do poder e da tecnocracia dominantes, gente interessada por esse modelo.
Com toda a certeza, o povo sai prejudicado. Esse padrão, marcado por uma pretensa racionalidade e justificado por alegações ao mesmo tempo autoritárias e tecnicistas, revela-se desgastado e ultrapassado, e não serão pequenas mudanças de regras que irão reciclar o "padrão Jaime Lerner" do transporte coletivo, a tal "curitibanização" dos sistemas de ônibus. No conjunto da obra, o modelo já perdeu a validade e o que se adota hoje é apenas o embalsamento de um cadáver tido como "vivo".
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