Uma boa amostra de como o modelo tecnocrático de sistema de ônibus, vigente em cidades como Curitiba, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, se revela uma grande confusão, apesar das pessoas estarem acostumadas a esse verdadeiro samba do crioulo doido.
Um livro para concursos públicos, escrito por um consultor jurídico, explica o que as autoridades nem de longe conseguem entender, já que o modelo tecnocrático de sistema de ônibus, no qual se expressa a pintura padronizada, revela uma noção confusa de relações entre público e privado, dentro de um regime de concessão que proíbe as concessionárias de exibir a sua identidade visual.
O livro Direito Administrativo de Fabrício Bolzan, professor de Direito Administrativo e Direito do Consumidor e formado em Mestrado em Direito do Estado pela PUC de São Paulo, incluiu as relações entre poder público e sistema de ônibus na sua exemplificação sobre conceitos de descentralização e desconcentração. O livro, na segunda edição de 2015, é da Editora Saraiva.
São conceitos que nada têm a ver com as confusas explicações que os políticos fazem a respeito do sistema de ônibus tecnocrático, nas quais eles não conseguem definir se ele se trata de uma intervenção estatal, uma parceria público-privada ou uma manutenção de relações de concessão pública a particulares, criando argumentos que, dependendo das circunstâncias, apelam para uma destas três hipóteses.
O texto de Bolzan esclarece bem a questão e, embora não cite a pintura padronizada - representação que indica que a concessão não é integralmente exercida, pois o poder público fica com o vínculo de imagem, proibindo a empresa particular de apresentar sua imagem ao público, corrompendo as relações de consumo passageiro-empresa de ônibus - , mostra o equívoco que faz inferir o quanto essa medida traz problemas à natureza licitatória do sistema de ônibus. Vamos lá.
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A atuação será centralizada quando as entidades da Administração Direta desempenharem suas atividades diretamente, i. e., por meio de seus órgãos e agentes públicos. Na forma centralizada de atuação, a Administração não depende de outra pessoa jurídica para desempenhar a atividade administrativa.
Exemplo de atuação centralizada: Município prestando diretamente o serviço de transporte coletivo, por meio da Secretaria Municipal de Transportes Urbanos. Neste caso, o Município é o dono dos ônibus e o presta diretamente por meio de um órgão, qual seja: a Secretaria de Transportes Urbanos.
Por outro lado, a atuação será descentralizada quando a Administração Direta desempenhar parcela das suas atividades por meio de outras pessoas. Quando essas pessoas forem criadas pela própria Administração Direta por meio de lei, teremos as entidades da Administração Indireta. Quando as pessoas que desempenham parcela da atividade estatal não forem integrantes da Administração Indireta, estaremos diante das concessionárias e permissionárias do serviço público (...).
Exemplo de ação descentralizada: empresa privada de ônibus que vence licitação e recebe do Município a delegação para executar o serviço de transporte coletivo.
A esse respeito não é possível confundir descentralização administrativa (acima estudada e caraterizada pela distribuição externa de competências) com desconcentração administrativa, pois esta consiste na distribuição interna de competências).
Diferenças entre desconcentração e descentralização: enquanto na desconcentração existe distribuição de competências entre os órgãos de uma mesma pessoa jurídica (ex.: distribuição de competências entre os diversos Ministérios da União Federal - única pessoa jurídica, visto que os ministéiros são órgãos), na descentralização essa distribuição de competências é feita de uma pessoa jurídica para outra (ex.: Município - que é uma pessoa jurídica de direito público, delegando a uma empresa privada de ônibus a execução de serviço de transporte coletivo). Em suma, enquanto a desconcentração pressupõe a existência de uma pessoa jurídica, a descentralização exige a presença de duas pessoas jurídicas.
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O que se pode inferir com essa explicação, dada com tamanha clareza pelo autor do livro? Ela revela a confusão que existe diante do projeto tecnocrático de sistema de ônibus, em que a Secretaria Municipal de Transportes exerce poder concentrado, não se satisfazendo em fiscalizar o serviço, mas virando dublê de administrador das frotas de ônibus, impondo seu vínculo de imagem sob o aparato de "consórcios", "trajetos" ou "tipos de ônibus", entre outros critérios.
Na prática, esse modelo de sistema de ônibus, que tentou se impor como pretensa novidade em cidades como Rio de Janeiro, Niterói, Florianópolis e Recife, revela o poder concentrado dos secretários de Transporte, corrompendo a natureza da concessão de serviço a empresas privadas, que acabam atuando como "subsidiárias" do órgão municipal ou estadual.
O vínculo de imagem cria essa relação maluca entre poder público e iniciativa privada, não fosse o bastante que a pintura padronizada cause confusão na população que, já ocupada em seus afazeres particulares, precisa redobrar a atenção para diferir uma empresa de ônibus de outra.
É uma verdadeira crise de representatividade, porque a proibição das empresas de ônibus particulares de exibirem suas identidades visuais faz o caráter de concessão perder boa parte de sentido. Da mesma forma que a licitação como um todo perde o sentido. Afinal, que sentido tem uma licitação de sistema de ônibus que, através da pintura padronizada, esconde as empresas licitadas da população?
Excelente matéria. Vamos torcer para que 2017 seja um ano de muitas surpresas agradáveis com esta safra de novos prefeitos pelo país (alguns dos quais nunca foram prefeitos e outros estavam afastados da vida pública há 20 anos) Quem sabe mudanças positivas e uma série de ações irão fazer deste 2017 um ano diferente sob todos os aspectos. É nossa esperança!
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