As pessoas deveriam deixar de lado o politicamente correto. A notícia dada há cerca de um ano, de extinção das linhas de ligação Zona Norte X Zona Sul, rachadas em linhas das respectivas zonas para o Centro, nada tem a ver com "otimização" e "racionalização" do sistema de ônibus carioca.
A medida, que só foi parcialmente revertida por uma ação movida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, extinguiria linhas tradicionais como 455 Méier / Copacabana e 474 Jacaré / Jardim de Alah, que deixariam de ir para a Zona Sul e teriam ponto final na Candelária.
Várias linhas passariam a ter fim de linha, além da Candelária, em áreas como Largo do Machado e, no máximo, a estação do Metrô da Rua Siqueira Campos, em Copacabana, na proximidade da Av. Princesa Isabel e sem cobrir a extensão do bairro.
A desculpa é que haveria um sistema integrado, com o uso do Bilhete Único para fazer a baldeação. Só que a proposta do fim da ligação direta das zonas Norte e Sul traria vários transtornos para a população, acostumada a se servir dos trajetos que teriam sido rachados.
Primeiro, é o fato de que o conforto de pegar sentado o primeiro ônibus não se repete no segundo, quando a viagem é feita quase sempre em pé. Segundo, os trajetos são longos e, no caso das baldeações, os trajetos duram mais que o tempo de validade do Bilhete Único, o que obriga a pessoa a ter que pagar mais uma passagem. Alguns passageiros, para evitar isso, passaram a demorar para passar pelo torniquete para o registro do cartão eletrônico ser retardado.
SEPARATISMO
Embora o tecnocrata Alexandre Sansão, que planejou a mudança, e o então secretário de Transportes, Rafael Picciani, argumentem que o fim das ligações Norte X Sul foi feito apenas para "reorganizar" o sistema de ônibus e garantir (sic) maior fluidez no trânsito, eles não puderam esconder que a medida trazia uma sutil discriminação social.
Paralelamente a isso, a Prefeitura do Rio de Janeiro - na gestão do mesmo PMDB que no plano nacional é representado pelo governo retrógrado de Michel Temer - tentou oferecer aos banhistas da Zona Norte um parque com uma pequena piscina e alguns chuveiros, respectivamente denominados de "praia" e "cachoeiras", chamado Praia de Rocha Miranda, dentro do Parque Madureira.
A iniciativa foi supervalorizada pela mídia e a inauguração foi um estardalhaço, com o prefeito Eduardo Paes tomando banho com os moradores. Mas a praia que, em tese, se destinaria aos suburbanos que se dirigiam ao corredor Leme-Pontal da orla carioca, não bastasse o pálido consolo da orla do Flamengo e Botafogo, nunca passou de um pequeno "lago" (ou piscina, dentro das extensões de um clube esportivo), com várias irregularidades.
Uma delas é o fato do horário limitado, que era muito mal determinado, pois começava às 09 horas, horário pouco recomendado por dermatologistas devido ao sol forte, e ia até às 20 horas, o que impedia a reunião para um luau entre jovens.
O fiasco da praia é omitido pela grande imprensa, e o que se viu foi uma forma de discriminação social quanto à ligação Norte X Sul, que em vez de ser extinta, deveria ser ampliada, já que uma ligação direta de Madureira a Ipanema, passando por Cascadura e Copacabana, é garantia certa de boa demanda de passageiros.
A proposta do fim da ligação Norte X Sul foi denunciada, até pela mídia estrangeira, como um meio de dificultar o acesso do povo suburbano às praias da Zona Sul e Barra da Tijuca (um esquema semelhante eliminou linhas como 465 Cascadura Gávea, 676 Penha / Méier e 952 Penha / Praça Seca para complicar o deslocamento dos moradores dessas áreas).
Além disso, as denúncias foram reforçadas pela repressão policial a jovens pobres que, sem documentos, se dirigiam, pelo 474, para as praias de Copacabana e Ipanema, ocorrência dada a poucos dias do dia em que seria implantado o esquartejamento das linhas da Zona Norte para a Zona Sul, para desespero de Picciani, Sansão e companhia, que ganharam a fama mundial de segregacionistas.
Além disso, a eliminação da ligação Zona Norte X Zona Sul, se teve o propósito de "limpar" as praias da Zona Sul, com o separatismo social visando o turismo durante as Olimpíadas Rio 2016, não conseguiu realizar o objetivo desejado, porque o entorno da Zona Sul já possui amplas áreas suburbanas, como Rocinha, Vidigal e o morro do Pavão-Pavãozinho.
ASSALTOS
A ocorrência de assaltos e tiroteios em Copacabana não é recente e, além disso, teve até uma vítima fatal famosa, o ator, comediante e dublador Older Cazarré (irmão do falecido Olney Cazarré, comediante e dublador do Pica-Pau e do Coelho Ricochete, e, como este, tio-avô do ator Juliano Cazarré), atingido por bala perdida enquanto dormia, durante um tiroteio no Pavão-Pavãozinho.
A ação do tráfico nesse morro, situado entre Copacabana e Lagoa Rodrigo de Freitas, junto à tragicamente histórica Rua do Tonelero onde o jornalista Carlos Lacerda sofreu um atentado, em agosto de 1954, que matou seu guarda-costas Rubens Florentino Vaz (homenageado com o nome de um túnel próximo), deixou a antiga "Princesinha do Mar" com uma situação tão vulnerável como se fosse uma cidade da Baixada Fluminense.
Assaltos em quiosques, confrontos entre traficantes, comércio obrigado a fechar as portas, pivetes correndo atrás de cidadãos em plena luz do dia, turistas sendo assassinados por ladrões armados, latrocínios atingindo ciclistas ou motoristas, assaltos a estabelecimentos comerciais - como um que, recentemente, feriu a cantora e guia turística Kátia Hamed Garcia, que foi comprar um chocolate nas Lojas Americanas, numa noite - , criam um ambiente de pavor no bairro.
Isso fora os arrastões que ocorrem nas praias do bairro. E tudo isso é assustador se perceber que, na decadência avassaladora do Rio de Janeiro, Copacabana era o último reduto de modernidade e glamour que restava na ex-Cidade Maravilhosa abalada por surtos de violência, corrupção política e convulsões sociais de pessoas reacionárias.
De nada adiantou propor o fim das ligações Zona Norte X Zona Sul. Isso só prejudicaria as pessoas de bem dos subúrbios, que só querem trabalhar, estudar e até mesmo ir a praia e ver amigos. Se a ideia é evitar os marginais, deveria observar as ações do crime organizado nos morros da Zona Sul, que já renderam incidentes trágicos que viraram notícia em todo o país.
Se a questão é garantir segurança, não é eliminando os ônibus suburbanos que a situação irá se resolver. É melhorando a qualidade de vida do povo pobre, criando uma reforma imobiliária profunda para transformar favelas em bairros dignos e reforçando o policiamento para evitar as ações do crime organizado.
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