Pular para o conteúdo principal

COM CLIMA AGRADÁVEL, ARACAJU TEM SISTEMA DE ÔNIBUS DECADENTE


Capital de Sergipe, Aracaju tem um clima considerado agradável, é uma das capitais brasileiras com menor número de fumantes, possui uma variedade de supermercados e um dos custos de vida mais baixos do Brasil, além de um cenário cultural razoável, pois, embora haja a supremacia de fenômenos popularescos, existe um cenário de MPB, rock e outros ritmos com nomes de notável expressão local.

Apesar disso, a capital sergipana é uma das piores em mobilidade urbana no Nordeste e o baixo custo de vida não se reflete no sistema de ônibus, com uma passagem considerada uma das mais caras da região. Além disso, a estrutura urbana ainda é precária, com várias ruas sem asfalto e transporte público deficitário e marcado pela constante superlotação em horários de pico.

Para complicar as coisas, a renovação de frota segue um ritmo bastante lento, o que faz com que se prolongue demais a idade útil dos veículos, causando desconforto e insegurança aos passageiros. E, para piorar, recentemente seis ônibus novos da Mascarello, recém-adquiridos de uma empresa, tiveram que ser devolvidos como pagamento de dívidas a um banco.

A situação causa mais indignação se percebermos que os ônibus urbanos mantém carros velhos sem muita chance de serem vendidos, a não ser quando é tarde demais, quando os veículos já estão desvalorizados no mercado e o que resta é vender para empresas revendedoras de ônibus usados ou, então, para particulares no interior do Estado. 


Outro dado a observar é que, mediante a promessa de aquisição de ônibus articulados, a única coisa que se realizou foi a aquisição de uma modesta frota da Viação Atalaia, para uma linha da Grande Aracaju. São carros com perfil avançado pela metade: articulados e com motor traseiro, mas não são piso alto nem possuem ar condicionado.

Aliás, é esta questão que anda rendendo problemas na Câmara Municipal da capital sergipana. Está em curso uma proposta para instalação de equipamentos de ar condicionado nos ônibus da cidade, mas há vários anos ela não consegue ser aprovada.

O Projeto de Lei nº 56, de 2015, de autoria do vereador Lucas Aribé (PSB), foi vetado mais de uma vez, seja pela votação parlamentar, seja por decisão do prefeito da cidade, Edvaldo Nogueira (hoje do PDT), que alegou que a proposta iria afetar as finanças das empresas de ônibus. No entanto, as queixas de quem apoia a medida chamam a atenção pelo fato de que os parlamentares que vetaram o PL circulam com automóveis com ar condicionado, pagos com dinheiro público.

As empresas de ônibus ignoram que, se a renovação das suas frotas fosse mais ágil, reduzindo a idade útil dos ônibus para algo em torno de cinco anos, os ônibus seriam vendidos valorizados, com melhor preço, o que ajudaria a minimizar as dívidas que seus donos alegam possuir.

"PADRONIZAR" NÃO RESOLVERÁ PROBLEMA

Tendo a vantagem da diversidade visual, que faz com que cada empresa de ônibus possa ser identificada por um passageiro cheio de compromissos pessoais, Aracaju no entanto sofre o problema dos abusos dos empresários de ônibus, que demoram a renovar suas frotas e, quando o fazem, é por quantidade muito pequena e, no caso aqui relatado, os carros novos ainda são devolvidos, para pagamento de dívidas.

O que se deve considerar é que o poder público deva agir com pulso firme para combater esses abusos. Mas isso não significa apelar para a pintura padronizada, que simboliza a imagem do poder público como controlador do sistema de ônibus, como meio de disciplinar o setor.

No Rio de Janeiro, quando foi adotada a pintura padronizada, os abusos dos empresários de ônibus, em vez de serem combatidos, se agravaram. A figura do secretário de Transportes como um "super-homem", um dublê de administrador das empresas de ônibus, não é garantia de eficiência nem de funcionalidade do sistema. Em muitos casos, pode tanto ser um abuso de poder deste agente político quanto pode ser uma fachada para a promíscua corrupção entre políticos e empresários de ônibus.

Não se pode também em falar em transparência no sistema de ônibus se as diferentes empresas operadoras se escondem num mesmo visual, até porque aqui a lógica é justamente evitar qualquer tipo de transparência, pois se a empresa A e a empresa B possuem a mesma pintura, haverá dificuldade de diferir uma da outra, e não é a "sopa de letrinhas" dos códigos alfa-numéricos dos consórcios que vai facilitar as coisas, sobretudo para pessoas que vivem de correria no dia a dia.

A farra dos ônibus padronizados de Eduardo Paes entre 2010 e 2016 causou efeitos tão danosos que eles refletem até hoje, com a extinção sucessiva de várias empresas de ônibus - a mais recente foi a da Viação Acari - , por motivos que variam da corrupção político-empresarial ao rigor exagerado da secretaria de Transportes, com poder concentrado que nada garante na disciplina no setor.

Além disso, medidas como a redução de percursos das linhas derrubou as finanças das empresas. Linhas rentáveis como 676 Méier / Penha (Via Madureira) tiveram percurso esquartejado. A substituição de longos trajetos pela baldeação por Bilhete Único causaram desconforto nos passageiros, porque viajar de ônibus não é como usar brinquedos em parque de diversões, ainda mais quando uma pessoa que viaja sentada no primeiro ônibus é obrigada a viajar em pé no segundo, devido à superlotação.

O que se deve fazer, no caso de Aracaju, é um meio-termo. Se mantém a diversidade visual e os ônibus não subordinam sua imagem a prefeituras ou governos estaduais, o que evita abusos dos dois lados, seja de empresários de ônibus, seja de secretários de Transportes. Um secretário com pulso firme para pressionar as empresas de ônibus a agirem pelo interesse público, sem no entanto bancar o dublê de chefão do sistema.

O que se precisa fazer não é tornar ônibus todos iguaizinhos exibindo logotipos de prefeituras ou governos estaduais, na ilusão de que isso trará ordem no sistema de ônibus. A ideia deverá ser ter uma secretaria de Transportes mais ágil, sem ser prepotente, mas com decisão suficiente para ordenar e punir abusos de empresas, e agir para que elas façam um serviço mais digno e adequado às necessidades de ir e vir dos passageiros.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O site Companhia do Ônibus do Sidney Jr voltou!

      Após quase seis meses fora do ar, o site Cia de ônibus , do nosso amigo Sidney Junior voltou. Foram muitos os pedidos pelo seu retorno, o que foi prontamente atendido pelo autor do site. Vale lembrar que fizemos uma matéria sobre recuperação e downloads de sites extintos , onde este foi citado, uma vez que naquela ocasião, onde ele era considerado extinto, porém felizmente ressuscitou.         Sobre o Cia de Ônibus , é um site que conta através de fotos a história do transporte rodoviário do estado do Rio de Janeiro. Este possui um rico acervo formado por coleções do próprio autor, de pesquisadores e busólogos parceiros, alguns falecidos, como o saudoso Paulão, por exemplo.        Muita gente dizia que ele havia tirado o site por não concordar assim como nós do Fatos Gerais e amigos nossos, com a uniformização visual. De fato, Sidney Junior é contra a mesma e jamais a aceitou , porém nunca se confirmou se a  retirada do site foi de fato por conta disso, até por

EXIBIR LOGOTIPOS PEQUENOS NÃO RESOLVE PROBLEMAS NA PINTURA PADRONIZADA

As reclamações em torno de confusão e omissão das identidades das empresas de ônibus na pintura padronizada não são resolvidas com a simples exibição de logotipos de empresas nas latarias e janelas dos ônibus, assim como seus nomes nos letreiros digitais. A pouca informação das autoridades, que raciocinam o que chamam de "interesse público" através de simulações distantes da realidade através de programas de computador (Excel, Photoshop, Photopaint ou mesmo jogos como TheSims), não percebe que colocar logotipos de empresas de ônibus não diminui a confusão causada pela pintura padronizada. Os logotipos de empresas não raro se perdem ao lado de logotipos de consórcios e de órgãos municipais ou metropolitanos e, além disso, na correria do dia a dia, as pessoas, ocupadas nos seus afazeres, não vão ficar paradas para diferir uma empresa de outra. Se pararem, perderão o ônibus e poderão até se atrasar no trabalho. No caso dos letreiros digitais, a alternância de informaçõe

RETIRADA DE VEÍCULOS DE PISO BAIXO REVELA ESGOTAMENTO DO SISTEMA DE ÔNIBUS DE 2010 NO RJ

Estão sendo retirados os ônibus de piso baixo que circulavam no Grande Rio, principalmente nas empresas municipais, cerca de um mês depois do encerramento total dos jogos olímpicos de 2016. Só a Transportes São Silvestre anunciou que se livrará de sua frota especializada de CAIO Mondego e CAIO Millennium BRT. Os veículos são muito modernos para a modernidade tecnocrática e autoritária que domina o setor de transporte público, mas ecoa também numa minoria de busólogos reacionários que se comportam, nas mídias sociais, como se vivessem nos tempos do carro-de-boi, preferindo bajular políticos que lançam medidas impopulares do que pensar na realidade do público passageiro. Os veículos de piso baixo são caros, mas funcionais. Com motor traseiro, possuem um acesso com piso na altura da calçada, permitindo que pessoas com limitações na locomoção pudessem entrar nos ônibus sem dificuldade. Das empresas intermunicipais, a Auto Viação 1001 também se livrou de CAIO Mondego, não bastasse