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MODELO ATUAL DE GERENCIAMENTO DE SISTEMA DE ÔNIBUS ESTÁ CADUCO

EM RECIFE, AS EMPRESAS CIDADE ALTA (ACIMA), RODOTUR E ITAMARACÁ APRESENTAM A MESMA PINTURA.

Apesar da relativa eficácia, o modelo de gerenciamento dos sistemas de ônibus das cidades, sobretudo capitais e regiões metropolitanas, anda caduco. O poder concentrado, embora supostamente impessoal, do secretário de Transportes e o risco de relações promíscuas de empresários de ônibus e políticos se agravarem, revela o quanto o modelo idealizado por Jaime Lerner nos anos 1970 perdeu o seu sentido.

Em primeiro lugar, a simples pintura padronizada, que coloca diferentes empresas de ônibus com uma mesma pintura e, por outro lado, divide uma única empresa de ônibus em pinturas diferentes, pode ser grave porque pode simbolizar um processo no qual a prefeitura ou o governo estadual impõem sua identidade visual, enquanto os empresários de ônibus ficam com a máquina eleitoral e o programa de governo em suas mãos.

Isso pode indicar uma partidarização do transporte público, sugerindo uma suposta austeridade do poder público, que no entanto não traz benefícios reais para a população, que não tem tempo para ficar parada vendo se o ônibus vai pegar é da Empresa A e não da Empresa B.

Assim como, no atual governo Jair Bolsonaro, provou-se que sua eleição se deu através de uma confusão entre disciplina e austeridade com um militarismo fajuto - Jair tinha má fama dentro dos quartéis - , que se aproveitou de uma perspectiva pragmática para enganar e iludir muita gente que pediu o fim do petismo e levou para seus lares e para os hospitais a tragédia da Covid-19, o modelo tecnocrático de sistema de ônibus se valeu de uma suposta austeridade estatal.

A confusão que se tem do poder do secretário de Transportes, que na prática atua como um dublê de empresário de ônibus, mostra o quanto os critérios de poder fiscalizador se confundem com os de poder gerenciador. Sob a desculpa de fiscalizar e disciplinar o transporte coletivo, o secretário de Transportes amplia seus poderes no sistema de ônibus.

Mas isso também não sai de graça. Enquanto o secretário de Transportes, através de uma paraestatal, "brinca" de ser empresário de ônibus, os empresários de ônibus ficam com a máquina eleitoral, investindo dinheiro para a propaganda e vitória eleitoral de seus candidatos.

Além disso, a visão "higienista" de impor uma mesma identidade visual para as empresas de ônibus, além de não ser vantajosa visualmente, também não é funcional. Não há vantagem técnica nem operacional alguma quando diferentes empresas de ônibus usam uma mesma pintura. A desculpa de que a identificação se dá na "sopa de letrinhas" que se tornam os códigos alfanuméricos dos consórcios simplesmente não se aplica na prática.

Não há caráter técnico algum o prefeito dizer que impôs a pintura padronizada para dar fim o que ele, na sua declaração meramente opinativa e cheia de juízo de valor, alega ser "poluição visual". E, na pintura padronizada, também não seria "poluição visual" um amontoado de logotipos que geralmente aparecem nos ônibus nesse caso?

CONCESSÕES (DE FACILITAÇÃO) PALIATIVAS

Na ironia do termo "concessão" estar associado ao ato do poder público conceder linhas para a operação de empresas de ônibus particulares, e pelo fato de que essa concessão é parcial, porque o poder fica com o monopólio da identificação visual, o que se vê é que, com o desgaste do modelo de ônibus padronizados e de uma visão tecnocrática do setor, que remete à ditadura militar (Jaime Lerner foi prefeito biônico de Curitiba, no período ditatorial).

Para tentar abafar esse desgaste, prefeituras e governos estaduais estão mudando o design das pinturas padronizadas, ou mudando alguns detalhes das licitações, acrescentando ou suprimindo consórcios, colocando logotipos de empresas operadores com relativo destaque etc. São apenas minimizações de dificuldades, que não resolvem em todo o problema.

Elas surgem por pressões da demanda de passageiros, que reclamam da dificuldade de identificação de uma empresa de ônibus por causa de uma pintura igual para todo mundo, só com algumas diferenças de detalhe de cor, correspondente à área de bairros ou cidades ou do tipo de ônibus a ser usado. Só que o poder público cede sem devolver às empresas de ônibus suas respectivas identidades visuais.

São apenas atitudes paliativas, que não trazem soluções definitivas. Afinal, de que adianta colocar um logotipo de empresa de ônibus nas frotas padronizadas, como ocorre em São Gonçalo (RJ), ou dividir uma combinação de cores para cada empresa conforme o tipo de ônibus usado, articulados para a Empresa A, micrões para a Empresa B, convencionais para a Empresa C, ou permitir que a Empresa A só compre carrocerias  Comil e CAIO e a Empresa B compre Marcopolo, e a C, Mascarello ou Maxibus?

Isso pode diminuir o impacto da mesmice visual, quando, em Recife, o sujeito que pegar o ônibus da Cidade Alta pegue um ônibus mais curtinho da Marcopolo, o da Rodotur um ônibus mais alongado da mesma carroceria e o da Itamaracá, CAIO ou Comil, sob a mesma pintura de "blusa laranja". Ou, no caso de São Paulo, pegar um articulado da Metrópole Paulista, um convencional da Gatusa e um micrão da Transwolff sob a mesma pintura de fundo cinza e faixa roxa.

Só que isso não resolve e, combinando a pessoa estar à distância de um veículo e a correria do dia a dia, o risco de embarcar num ônibus errado é ainda grande. E ainda prevalece a medida de dividir uma mesma empresa de ônibus em diferentes cores, se ela explora regiões diferentes de bairros ou em tipos diferentes de veículos.

RECUPERAR IDENTIDADE VISUAL NÃO É ABUSO EMPRESARIAL

Engana-se quem acha que, quando uma empresa de ônibus exibe sua própria identidade visual, ela está fazendo propaganda ou se pavoneando por conta da estética. A identidade visual pode ter vantagens estéticas, mas, além de simbolizar a imposição de responsabilidades por conta da imagem da empresa, ela facilita a identificação pelo passageiro comum, geralmente sobrecarregado de afazeres na vida.

Embora existam abusos empresariais tanto quando os ônibus estão padronizados quanto não estão, sabe-se que a pintura padronizada cria mais dificuldades de diferenciação. Por pouco o Rio de Janeiro não adotou a pintura padronizada nas linhas de ônibus metropolitanas, o que se tornaria uma grande catástrofe operacional.

Imaginem se a extinta Turismo Trans1000, no ápice de suas irregularidades, passa a ter a mesma pintura que a Viação Nossa Senhora da Penha, sendo ambas do mesmo município de Mesquita? Seria terrível, porque uma empresa que operava com frota sucateada e outra que renova com agilidade sua frota, simplesmente, teriam o mesmo visual. A Trans1000 foi extinta com dificuldades, e foi preciso haver a pressão das populações de Nova Iguaçu e Nilópolis para forçar o fim da empresa.

As dificuldades seriam maiores sob o uniforme da pintura padronizada. Afinal, a confusão visual poderia favorecer armações. A Trans1000 poderia mudar de nome, comprar carros usados apenas para iludir os passageiros de que "faz alguma coisa" e as irregularidades continuarem ocorrendo. Poderia-se transferir as acusações para outras empresas, para a empresa que vendeu os ônibus usados para a Trans1000 e uma série de desculpas esfarrapadas que só colocam o problema debaixo do tapete.

É necessário repensar o sistema de ônibus, porque a simples atitude de criar uma identidade visual determinada por autoridades políticas, em que logotipos de prefeituras e governos estaduais aparecem com mais destaque do que os das empresas operadoras, não trazem vantagens operacionais, contrariam os princípios de transparência - que é impensável quando diferentes empresas de ônibus são visualmente iguais - e não trazem vantagem alguma para o cotidiano dos passageiros.

Deveriam ser feitas alternativas, como devolver a diversidade visual das empresas operadoras, enquanto se colocam, discretamente, os nomes de consórcios ou o logotipo do poder público responsável, e o poder público deixar de atuar como dublê de empresário de ônibus enquanto o empresariado do setor intervém no jogo político afetando até mesmo serviços de Educação e Saúde, mesmo de forma indireta. 

O secretário de Transportes tem que ser um fiscal e não um tirano a controlar com mãos de ferro um sistema de ônibus, porque aumentar o poder não ajuda a combater abusos, por ser ele um abuso, em si. Além disso, a atuação do secretário de Transportes como dublê de empresário de ônibus só influi na partidarização do transporte público, que já causou vários malefícios que vão do retardamento das renovações de frotas (só permitidas quando servem de propaganda política) às negociatas com os empresários de ônibus através do desvio do dinheiro público.

Afinal, é quando o empresariado de ônibus, para compensar que suas companhias deixam de apresentar as identidades visuais respectivas em torno de um design imposto por secretários de Transporte municipais ou estaduais, passam a defender projetos políticos e candidatos dentro daquele esquema do "voto de cabresto" adaptado ao contexto da mobilidade urbana.

Ou seja, isso vai contra o cidadão, que, além de ter que redobrar as atenções para não embarcar no ônibus errado, tem que aturar as vitórias eleitorais de um mesmo grupo político sem compromisso algum com a sociedade, principalmente em questões como Saúde, Educação e Moradia, a serviço apenas de projetos mirabolantes, medidas espetaculosas e objetivos demagógicos, fora interesses particulares em jogo.

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